Lembro que, quando eu comecei a escrever junto à Hell Divine, eu sempre quis dar uma atenção aos artistas gráficos, que criam artes tão belas e antológicas para os discos de Rock/Heavy Metal. Hoje terei a honra de trocar uma ideia com um brasileiro que está há anos no mundo da música, tanto como guitarrista do Patria e do Mysteriis, ou como o criador de incríveis artes para o Metal Nacional, tendo despontado quando ele foi escolhido para fazer a capa do “Repentless”, último disco de estúdio do Slayer. Então sem mais delongas, vamos conversar com Marcelo Vasco sobre sua carreira e lógico, arte gráfica.

Portal do Inferno: Marcelo, valeu pela chance de trocarmos essa ideia e pra começar, eu queria que você nos falasse como você começou a sua carreira no mundo da arte?

Marcelo Vasco – O prazer é meu, Augusto. Bom, eu comecei me aventurando em meados dos anos 90, quando senti a necessidade de desenvolver capas e layout para minhas próprias bandas. Logo vieram alguns amigos me pedindo ajuda para as bandas deles e a partir daí a coisa toda foi andando, mas a passos de tartaruga (risos). No final dos anos 90 eu já estava fazendo capas profissionalmente para algumas bandas brasileiras, mas ainda super “verde”. Nunca fiz nenhum tipo de curso, eu era basicamente um autodidata e entusiasta sobre o assunto. Foi quando no finalzinho de 99 a banda sueca Lord Belial me procurou pedindo que eu fizesse a capa do disco deles, o “Angelgrinder”. Ainda não estava nem perto de ser minha profissão, mas acho que aquilo foi o pontapé inicial, pois tinha sido a minha primeira capa internacional e para uma banda de maior expressão e alcance na mídia. Dali pra frente à movimentação foi ficando maior e esse trabalho foi virando um tipo de complemento de renda pra mim. No começo de 2000 eu entrei pra faculdade de Design Gráfico e pouco depois comecei a trabalhar na área, para uma empresa que vendia e posteriormente produzia Suplementos Alimentares. No meu tempo livre estive sempre trabalhando para o Heavy Metal, até que tudo foi ficando mais sério e a demanda aumentou a ponto de eu não dar conta. Até aquele momento eu jamais teria imaginado que seria possível viver de arte dedicada ao Metal, principalmente morando no Brasil. Foi quando eu finalmente tomei coragem pra largar meu emprego estável e focar somente na arte dentro desse segmento. Isso foi em 2008, quando eu saí do Rio e vim morar na Serra Gaúcha. Considero então que a minha carreira profissional no mundo da arte começou verdadeiramente nesse ano. Ali foi o “vai ou racha” (risos).

Portal Do Inferno: Quais foram suas principais inspirações no início de sua carreira da arte?

As minhas inspirações vem de muito antes de eu pensar em seguir qualquer tipo de carreira. Lá dos anos 80, quando eu ficava vidrado nos quadrinhos do Conan e do Drácula, nos filmes de ficção científica e terror e claro, nas capas fantásticas dos discos de Heavy Metal. Meu primeiro contato com o Heavy Metal foi por causa do Eddie, do Iron Maiden. Eu adorava desenhar monstros quando era moleque e fazia muito isso com meus colegas de turma na hora do recreio. Lembro como se fosse ontem… Na quarta série, isso entre meados e final dos anos 80, quando um amigo meu me levou uma fita K7 do irmão mais velho, pedindo pra eu desenhar aquele monstro. Ele me emprestou a fita e eu desenhei, mas fui mais fundo, não resisti e ouvi a música. Era o “Killers” e a partir dali foi amor a primeira vista (risos). Nunca mais parei! Lembro também que mais tarde o pessoal da Força Jovem do Vasco, da Ilha do Governador, onde eu morava, começou a me chamar pra fazer o desenho dos cartazes deles. Eles usavam o Eddie do Iron como mascote. Acho que ainda usam, não?! Enfim, eram cartazes super simples, feitos de Xerox. Mas era legal ver meu desenho espalhados pelos postes da cidade (risos).

Portal Do Inferno: Meu caro, dentro do seu processo de criação, como você prefere trabalhar, existe algum “ritual” ou mesmo alguma curiosidade que te ajuda no processo de criação?

Meu único ritual é que eu gosto de estar sozinho, sem interrupções ou barulhos externos, às vezes no total silêncio, outras vezes ouvindo música. Por isso geralmente funciono muito melhor à noite, principalmente na madrugada, onde está tudo mais em paz na rua, sem mil carros passando, sem telefone tocando ou outras chateações. Esse foi um dos motivos por eu ter saído do Rio e vindo aqui pra Serra Gaúcha. A tranquilidade! Moro numa cidade pequena, de “interior”, com 30.000 habitantes e cercado de natureza, então aqui eu encontro facilmente essa paz que eu preciso na hora de me inspirar e criar. Para o processo de criação, no meu caso não existe um método, mas começo sempre pesquisando sobre o tema, tentando desenvolver mais a fundo o conceito, gosto de ler as letras, e fico matutando tudo ainda na minha cabeça, fora do papel. Depois parto para uma pesquisa de referências, algo que também possa me dar uma luz e trazer alguma inspiração. Depois disso é que eu começo a tentar esboçar alguma coisa, um caminho, nesse caso já direto no computador. Algumas vezes acaba não dando em nada. E não adianta forçar…

Lidar com criatividade é algo complicado. Mais ainda quando isso é o seu ganha pão e você precisa estar sempre produzindo. É a parte ruim do meu trabalho. E no nicho para o qual eu trabalho, que é o Metal, a cabeça das bandas ainda é muito fechada infelizmente. As ideias se repetem demais, sempre querem as mesmas coisas, os mesmos elementos. Quando eu experimento algo um pouco fora da caixa, lá vem eles pedindo crânios, demônios, chifres e pentagramas (risos). Então estou sempre tentando me reinventar de alguma maneira, ao menos na parte estética, mesmo que muitas vezes eu seja obrigado a usar esse número limitado de elementos, já abusados, que fazem parte do mundo das capas do Metal Extremo.

Portal Do Inferno: Não posso afirmar, mas acho que, o ponto alto de sua carreira foi com o Slayer, cara, nos conte a emoção de ter sido escolhido para criar a identidade visual de Repentless?

Sem dúvida! O Slayer foi o ponto máximo pra mim. E nada vai estar acima disso. É como se eu tivesse zerado a vida. Pela razão profissional, pois é uma banda lendária e gigante no mundo do Heavy Metal, o que me rendeu uma exposição colossal do meu trabalho e obviamente muito mais clientes. Mas principalmente pela razão emocional, pois o Slayer sempre foi a minha banda do coração desde que eu era moleque. Quando as pessoas anos atrás me perguntavam qual era o meu sonho, eu sempre dizia que era fazer uma capa para o Slayer. Então quando isso aconteceu, foi surreal demais. É uma emoção que eu ainda não consigo medir até hoje. Eu lembro que fui no show contra a vontade dos meus pais em 94, a primeira vez que a banda veio ao Brasil. Eu praticamente “fugi de casa”, pois eu estava num período de provas no colégio e não tive a permissão pra ir. Mas na minha cabeça aquilo não cabia. Eu não contestei a decisão dos meus pais, mas já estava arquitetando a minha ida, eles permitindo ou não. E foi o que aconteceu. Lembro que eu sai do colégio e não voltei mais pra casa, não avisei nada, coisa de moleque sem noção (risos). Eles foram nos bombeiros, na polícia, na casa de vários amigos e nada. Até que um dos meus amigos percebeu o que havia acontecido e tranquilizou os meus pais. Sempre respeitei muito eles e raramente eu fazia algo desse tipo. Mas hoje eu vejo que por alguma razão aquilo precisava ter acontecido. Fui em todos os shows do Slayer no Brasil, desde lá. E no último que fui, quando eu já havia feito a capa pra eles, tive a oportunidade de finalmente conhecê-los. Foi um momento mágico! Quando eu vi minha capa gigantesca como pano de fundo do palco e eles tocando, minha vontade foi de chorar. De verdade…

Repentless, arte do Slayer feita pelo artista Marcelo Vasco.

Portal Do Inferno: Depois do Slayer diversos outros trabalhos pipocaram e hoje em dia você está trabalhando na parte interna do novo disco do Soulfly, junto de Eliran Kantor, você poderia nos falar um pouco mais desse trabalho?

Na verdade eu já havia trabalhado com o Max Cavalera para o Soulfly em 2012, antes de trabalhar para o Slayer. Fiz a capa do álbum “Enslaved” e partir de lá eu sempre me mantive trabalhando para eles. Fiz muita arte para merchandise e estou sempre envolvido com a parte de layout dos discos. O Max é um cara sensacional, super simples, meu ídolo de infância também e hoje somos amigos. Isso é legal demais! Para o disco novo o Eliran foi o responsável pela capa e eu por toda parte interna de layout dos formatos CD e LP. O Max também me pediu pra criar uma ilustração interna principal que eu curti muito fazer, além de eu ter desenvolvido vários símbolos, um pra cada faixa, numa vibe meio vodu / ocultista. Também redesenhei o símbolo deles nesse mesmo estilo ritualístico. Foi muito divertido!

Soulfly em 2012, arte também por Marcelo Vasco.

Portal Do Inferno: No cenário Nacional, uma capa sua que eu gostei muito foi a do “The Hell´s Decrees”, álbum de retorno do Rebaelliun, parabéns cara, como foi trabalhar com eles?

Valeu! Obrigado! Legal que curtiu a capa do Rebaelliun. Ela ilustra o disco que marca a volta da banda, mais afiada do que nunca. Um baita disco! Pra mim o meu favorito inclusive. Eu era amigo do Penna desde o final dos anos 90 e estávamos sempre envolvidos em projetos juntos. A gente se entendia bem pra caramba, tínhamos ideias muito similares, então era muito tranquilo e fácil de trabalhar. Na minha opinião o Penna era um cara que tinha a visão certa da coisa como um todo, como poucos aqui tem… E era um cara extremamente focado e talentoso. Ainda fico sem acreditar que ele não está mais aqui. E faz uma falta absurda… Triste demais! Mas deixou um legado animal! Essa é a parte romântica da arte e da música, ela fica pra sempre…

Portal Do Inferno: Você tem feito várias exposições com o seu trabalho, pode nos dizer qual pra você foi a mais legal em ter ido e porquê?

Todas tiveram um peso muito importante e foram especiais, mas eu gostei demais de ter exibido a minha arte no Inferno Festival, na Noruega. O festival é demais, Oslo fica pintada de preto! Eu tenho uma ligação muito forte com aquele lugar. Adoro! Trabalhei pra Indie Recordings durante muitos anos, fiz grandes amigos, então lá é quase como minha segunda casa (risos). E algo que me surpreendeu muito foi a minha participação na Comic Con Ecuador, no ano passado. Foi incrivelmente profissional, tratamento VIP e a vibração, educação e interação das pessoas foi algo fantástico. E num mundo que não é exatamente o meu né… O que acabou tornando a experiência ainda mais interessante. Lá exibi meu trabalho ao lado de monstros como o Tom Coock (He-man, Smurfs, The Flintstones, Scooby Doo, Jetsons) e do lendário Phil Ortiz (The Simpsons, Muppet Babies). Fiquei honrado pelo convite, conheci muitos artistas fantásticos e fiz novos amigos. Espero que me chamem novamente qualquer hora. Foi uma grata surpresa!

Portal Do Inferno: Tenho visto um crescente reconhecimento no trabalho realizado por vocês, criadores de belíssimas artes, uma prova disso é a aparição de seu trabalho em várias publicações voltadas para tal, a última, o livro “Arte Arcana”, qual a sua análise dessa exposição do trabalho de vocês?

Todas essas publicações são incríveis e fico feliz pra caramba por participar delas. Tem pintado muitos convites para participações nesses livros e revistas de arte com foco no Heavy Metal. É algo que está crescendo, o que é muito legal. Eu já participei de vários livros importantes nesse seguimento e fico orgulhoso disso. É sempre positivo, pois obviamente existe uma divulgação do seu trabalho e além disso une mais os artistas e as bandas. Só é uma pena que nenhum deles tem uma distribuição aqui no Brasil ou América do Sul. E é triste que nenhuma editora brasileira tenha interesse por esse tipo de projeto.

Portal Do Inferno: Falando sobre o reconhecimento, você e o Rafael Tavares foram entrevistados pelo Danilo Gentili em seu “The Noite”, um programa no canal aberto e com uma abrangência gigante. Nos conte a experiência de estar lá e se depois disso você vislumbra algo de diferente em sua carreira?

De fato isso foi um ponto alto na minha carreira e algo que eu nunca imaginei que pudesse acontecer. O espaço para bandas de Rock e Metal já é super escasso aqui no Brasil, tu imagina pra quem atua nos bastidores, como nós, ser convidado para falar sobre Arte e Metal num canal de TV aberta, e no maior Talk Show do país? Fiquei muito feliz! Eu já era fã do trabalho do Danilo Gentili, sempre acompanhei ele desde os Stand-Ups e CQC. Ele é provavelmente o único cara da TV aberta que dá espaço pra bandas de Metal e isso merece meus aplausos de pé. Inclusive o “The Noite” é o único programa na TV aberta que eu assisto. Então quando eles entraram em contato nos convidando pra participar do programa, achei sensacional. E foi tudo de alto nível, ficamos super confortáveis e foi muito divertido fazer. Apesar de ser um programa de “humor” a entrevista foi muito bem conduzida, e o nosso trabalho tratado com extrema seriedade e respeito. De quebra conheci o SBT, que eu sempre tive vontade, mas infelizmente não dei sorte de esbarrar com o Silvio Santos por lá (risos). Ainda não sei quando o programa vai ao ar, mas acredito que não deva demorar muito. To ansioso por isso! Assim que eu souber vou divulgar a data nas minhas páginas…

 

Danilo Gentilli, Marcelo Vasco e Rafael Tavares em gravação para o The Noite.
Marcelo Vasco e Tom Araya (Slayer)

Portal Do Inferno: Falando um pouco sobre sua vida musical, temos o Patria em todo o vapor ou a banda vai dar uma esfriada nas máquinas?

O Patria é uma banda bastante ativa, mas não é minha prioridade ou ganha pão, sinceramente nem quero que seja, então certas vezes é preciso um pé no freio sim, pra dar espaço a outros projetos. Mas as coisas estão andando razoavelmente bem, apesar de não termos feito sequer 1 mísero show esse ano (risos). E acho que a coisa vai se manter assim. Foi um ano morto nesse sentido. Houveram alguns convites, mas nada realmente válido ou que fosse uma proposta digna pra banda. Somos uma banda séria e exigente, primamos por qualidade e profissionalismo. Então essa coisa de tocar em qualquer buraco em troca de cerveja não funciona nadinha com a gente. No final das contas eu sou meio bicho do mato, não sou fã de tocar ao vivo. O público também está cada vez menor, o povo ta apertado de grana, e por nós estarmos meio “isolados” aqui nas montanhas do Sul do Brasil, eu entendo que torne a logística e consecutivamente os shows mais caros também. Normal! Mas tirando isso, está tudo indo muito bem com o Patria. Esse ano estamos completando 10 anos de existência, gravando músicas novas para um split com a banda ucraniana Moloch e lançando nosso primeiro vinho, um Cabernet Sauvignon, em parceria com nossos amigos da vinícola Michele Carraro, aqui do Vale dos Vinhedos. Estamos bem animados com isso!

Portal Do Inferno: Pra fechar Marcelo, queria que você destacasse três artistas a mais para prestarmos atenção. Valeu pelo bate papo, deixe um recado aí pros leitores do Portal Do Inferno e parabéns pela sua trajetória.

Opa, com certeza… Tem milhares e é difícil até na hora de citar um ou outro, pra não ficar injusto… Mas eu poderia destacar os brasileiros Gustavo Sazes e Rafael Tavares e um pouco fora do eixo do Metal, o argentino Alejandro Burdisio. Todos super talentosos e com um trabalho incrível!

Sua arte para o Borknagar.
Marcelo Vasco
Arte do Marcelo Vasco para o Hardcore do Hatebrred