Formar uma banda, escrever canções e subir ao palco costumava ser um rito da juventude. Mas nos últimos anos, um movimento silencioso e poderoso tem ganhado corpo principalmente no interior de São Paulo, e se espalhado pelo país: o retorno de artistas à cena musical depois dos 40 anos. Muitos deles, millennials que deixaram de lado as guitarras para se dedicar a filhos, carreiras e boletos, agora reencontram na maturidade o impulso para voltar aos palcos, ou para estreá-los, finalmente.

É o caso da banda Kill 4 Nothing, formada em 2022 por músicos de Araraquara e São Paulo. O grupo nasceu da união entre Mandy Delphino, guitarrista e webdesigner de 43 anos, e o vocalista Alessandro “Bob”, publicitário de 42, ambos com passagens por outras bandas. “Sempre vivi o rock por meio dos outros. Meu ex-marido era guitarrista. Um dia percebi que queria viver isso de verdade, com a minha voz e a minha guitarra”, diz Mandy. Completam o quarteto Yuri Alexander (baterista e professor de música, 30 anos) e Guhz (baixista e técnico em enfermagem, 33).

A banda vem se destacando com um repertório autoral, letras afiadas e um som que mistura peso e sentimento. “A gente sente que existe sede por autenticidade. O público do interior quer ouvir coisa nova, se conecta com histórias reais”, afirma Alessandro. “Se não há espaço, a gente cria. Rock sempre cabe onde há verdade.”

Esse também é o caso da banda HBR-40, formada em 2024 por quatro amigos em Holambra. Reunidos inicialmente para tocar nas noites de sexta-feira no evento Rock’n’Flowers, Rodrigo Martins, Eduardo Costa, Bart Flipsen e Felipe Carvalhal decidiram transformar os encontros em algo maior. “A gente se reencontrou pelo som. É amor ao rock mesmo”, conta Felipe, baterista e publicitário, que tocava na adolescência e retomou o instrumento mais de 20 anos depois. Com idades entre 33 e 44 anos, os integrantes ensaiam semanalmente na estrada municipal que batiza o nome da banda.

Banda HBR-40

A escritora e jornalista Vivian Guilherme, de Rio Claro (SP), também embarcou nessa retomada. Aos 41 anos, ela trocou os palcos pelos livros, mas mantém o rock como trilha de sua produção. Em seu mais recente romance, Quarentamos, ela dá voz a personagens que, como ela mesma, foram moldados por shows em garagens, CDs gravados em fitas e o sentimento de que a arte é um refúgio. “Como jornalista, durante anos eu escrevi sobre tudo, menos sobre mim. Agora escrevo sobre o que vivi e o que ainda toca em mim. O rock está no que escrevo, no que escuto, no que lembro. E também no que espero viver ainda”, conta.

Vivian Guilherme (crédito: Ana Beatriz Prado)

Para Vivian, esse novo movimento, impulsionado por plataformas digitais, redes sociais e festivais independentes, mostra que o rock feito por maiores de 40 não é uma volta ao passado, mas uma nova fase, mais consciente, com menos pressa e mais entrega. “É também um contraponto à lógica do mercado, que frequentemente associa juventude à inovação. Nesse caso, a inovação está justamente no reencontro com o que ficou adormecido. É uma forma dos millennials buscarem sonhos que deixaram para trás”, relata.

Escrito por

Vivian Guilherme

Jornalista e autora de romances com rock. Foi idealizadora e produtora do projeto Festival Rock Feminino.