Após curar a ressaca da primeira noite de festival, o domingo chuvoso não se mostrou um grande problema pois a pista do Carioca Club estava cheia de camisetas pretas pra conferir o segundo dia do Setembro Negro Festival, que fechou o mês de Setembro do paulistano com muito metal extremo.

Após um hiato de 5 anos, o retorno do festival deu um upgrade no calendário de shows brasileiro, dada a qualidade das bandas que tocaram em outras edições, ousando ao trazer nomes improváveis quando ninguém imaginava. Em sua décima segunda edição, em 2018, voltou com força total. A produção não estava pra brincadeira e preencheu de metal o final de semana da cidade. E o que esperar? A programação do domingo contou com 8 bandas, cada uma de um lugar diferente do planeta com sonoridades distintas. Engana-se quem pensa que som rápido, pesado e distorcido é tudo igual.

 

Manger Cadavre?, Decomposed God, Amen Corner

A parte brasileira do line-up ficou a cargo do Manger Cadavre? de São José dos Campos, Decomposed God do Recife, e os paranaenses do Amen Corner. Três forças poderosas: Hardcore, Death Metal e Black Metal em shows de alto nível igualmente representados pela plateia que, apesar de ainda estar chegando na casa, agitou bastante. Destaque para a qualidade de som e luz no show deles. Cansamos de ver as bandas brasileiras com estrutura reduzida nos festivais com bandas gringas e no Setembro Negro desse ano todas as bandas tiveram a mesma qualidade técnica para se apresentar. Ponto positivo para a produção!

Manger Cadavre? estava divulgando o EP “Revide” de 2017; o Decomposed God o novo e elogiado disco “Storm of Blasphemies” de 2018; e a horda Amen Corner há mais de 20 anos levantando a bandeira do Black Metal Brasileiro com muito profissionalismo e resistência. A trinca nacional foi bem escolhida e com o público aquecido, era hora de dar inicio a parte internacional do festival.

 

Enthroned

As caixas de som do Carioca Club começaram a tocar um tipo de canto gregoriano enquanto a cortina que cobria o palco foi abrindo, revelando quatro pessoas encapuzadas escondidas sob a cortina de fumaça tingida pela luz vermelha, deixando o clima sombrio e obscuro. Passando em frente a bandeira com o logo da banda entra um outro integrante andando de cabeça baixa, todo concentrado, fazendo algum tipo de benção em voz baixa para o palco, pro público e dá-lhe paulada!

Vindos da Bélgica, o Enthroned rapidamente tornou o ambiente num caos cheio de sujeira, agressividade e “blast beats” na velocidade da luz. Donos de um black metal ríspido e brutal, o vocalista Nornagest e sua banda retornaram a São Paulo, onde não tocavam desde 2014, ano em  que foi lançado o último disco de estúdio da banda, “Sovereigns”. Tocando mais músicas desse disco, “Tetra Karcist” de 2007 e “Pentagrammton” de 2010, os belgas mostram que não vivem de passado e mesmo com 25 anos a banda pode pautar seu show em sua fase mais recente, porém não esquecendo de tocar clássicos como “The Ultimate Hord Fights”, que fechou um grande show com uma boa entrega, mostrando que a banda veio pra cá no apetite de fazer uma ótima apresentação e cativar o público. Podemos dizer que o dever foi cumprido com louvor.

 

Morbid Saint

Se a banda anterior já tinha visitado o país, não podemos dizer o mesmo da próxima atração. Formada em 1982, período clássico para o Thrash Metal e donos de uma vasta discografia contendo apenas… UM DISCO!!!! O Morbid Saint milagrosamente foi incluído no festival, sendo considerada a figura mais cult/alternativa que o line-up deste ano poderia oferecer. Apenas com o guitarrista Jay Visser da formação original, os americanos de Wisconsin destruíram no palco com uma das melhores performances do dia. O setlist foi baseado no álbum “Spectrum of Death” de 1990, o único full-length deles, mas também tiveram outras músicas da demo “Destruction System”, que foi relançada como álbum oficial em 2016. Podemos considerar o Morbid Saint como uma das bandas mais marcantes que possuem um álbum só lançado. Mostrou muita vontade num show quase sem palavras, onde o thrash metal técnico foi apresentado na sua melhor qualidade.

 

Schirenc Plays Pungent Stench

O nível das apresentações começou a aumentar de forma incrível, e o melhor show da noite veio na sequência: o power trio liderado pelo austríaco Martin Schirenc, mundialmente conhecido por ser o cérebro e voz do Pungent Stench, cultuada banda dos anos 90 que encerrou sua jornada em 2007. A fim de trazer este legado para a vida mais uma vez, “El Cochino”, como também era chamado, recrutou uma competente banda de apoio, com os músicos Danny Vacuum no baixo e Mike Mayhem na bateria, formando o Schirenc Plays Pungent Stench, oferecendo um repertório cheio de clássicos de sua ex-banda.

Para entender um pouco melhor do que presenciamos, há bandas que são incompreendidas por uns e adoradas por outros. Esse é o caso do Pungent Stench. Começando pelo som que mescla desde o death metal visceral, doom metal, Celtic Frost e outras influências. As letras são cheias de humor negro, perversão sexual e morte. O power trio soa redondo, não deixa espaços vazios. O show começou com “Fuck Bizarre” e terminou com “Viva La Muerte”. Abusando de temáticas asquerosas e nojentas, como não se divertir com letras tipo “Blood, Pus & Gastric Juice”, “Shrunken and Mummified bitch” e “Extreme Deformity”, que poderiam ganhar um troféu de nome-de-música-mais-repugnante-do-universo com certa facilidade? É como se a música quisesse contar uma história própria. Sendo assim, as músicas tem várias paisagens distintas. Há momentos bagaceira e outros momentos épicos. “El Cochino”extrai diversos sons diferentes da guitarra, sempre com timbres caprichados e que também tem na qualidade vocal um baita diferencial, conseguindo ir do gutural podrão até o uso da voz limpa bem grave. Quem se entregou à proposta da banda pôde conferir uma bela apresentação.

 

Wolfbrigade

A Escandinávia se fez presente promovendo uma invasão sueca dentro do festival, que teve em seu primeiro ato a banda mais aguardada da noite pelos presentes, o Wolfbrigade, que debutou no país a mil por hora. Com músicas rápidas e de curta duração, não demorou muito para a roda pegar fogo, galera surfando na cabeça da outra tornando a pista do Carioca Club em uma festa Punk Crust. Se o termo for novo pra você, saiba que o bicho está comendo solto faz tempo e o estilo é cheio de seguidores. Os suecos fazem um punk moderno com um forte pé no metal. Tocando juntos há mais de 20 anos, os guitarristas Jocke Rydbjer e Erik Norberg esbanjam técnica e se apoiam muito nas guitarras dobradas, onde os dois instrumentos tocam a mesma melodia em notas diferentes, dando uma sonoridade muito específica, sendo característica básica de uma escola clássica do metal, o Death Metal Sueco.

A banda é bem concisa e segura do que quer. O vocalista Mikael Dahl não para um segundo. Com uma postura típica dos vocalistas punk, ele canta enfrentando o público, conduzindo e cantando músicas de diversas fases da carreira da banda, incluindo sons de quando a banda ainda se chamava Wolfpack. A raivosa “From Beyond” e as novas “Warsaw speedwolf” e “Ride The Steel” foram acompanhadas pelo público que mostrou estar em êxtase por vê-los ao vivo. Apesar da desgraceira, a fórmula de ter músicas com refrão fácil de cantar funciona bem em uma mistura perfeita entre o punk e o metal – muito influenciados pelos senhores que vieram na sequência. Estamos falando nada menos do que um gigante do tal Death Metal Melódico, o At The Gates.

 

At the Gates

Pela terceira vez pelo país, os suecos foram os escolhidos para fechar a volta do festival Setembro Negro como headliners da noite, e com banda grande não se brinca: o nível técnico desses caras é de cair o queixo. O quinteto de Gotemburgo carrega nas costas quase 30 anos de história a serviço da música extrema.

Da formação que veio para o Brasil, tirando o novato Jonas Stålhammar que entrou na banda em 2017, o resto toca junto desde o começo dos anos 1990. No palco vemos uma banda afiada, que espanta pela qualidade na execução das músicas. A tour sul-americana promoveu seu mais novo lançamento, “To Drink From The Night Itself” de 2018, porém o repertório é baseado no disco clássico de 1995, o seminal “Slaughter of the Soul”, e penúltimo disco “At War With Reality”, de 2014. Curiosamente, as três primeiras músicas tocadas no show foram as faixas título dos álbuns na sequência em que esse texto os apresenta.

A banda ganhou o público logo no início e, sem muitas trocas de palavras, tocaram músicas como “Under a ”Serpent Sun”, ”Suicide Nation”, “Cold” e o hino “Blinded by Fear”, fazendo os presentes voltarem para casa com o pescoço doendo de tanto balançar a cabeça. E se depender do vocalista Tomas Lindberg, a noite vai ficar na lembrança dos presentes durante muito tempo. Correndo de um lado para o outro cantando olho-no-olho do público, o cara esbanja presença de palco.

Peças fundamentais na criação de uma sonoridade que veio a ser repetida por inúmeras bandas no futuro, o Death Metal Sueco tem o At The Gates como um de seus principais expoentes. Muito pelo trabalho da cozinha da banda com o baterista Adrian Erlandsson (que já tocou no BrujeriaCradle of FilthThe Haunted e Paradise Lost) que, somado ao baixista Jonas Björler, parecem dois relógios que não deixam o tempo cair nunca. O show inteiro é feito na velocidade e precisão, sem muita firula e com muita intensidade. Fechando com chave de ouro a noite, o festival e o domingo, que fez todos os presentes voltarem pra casa com o ouvido zunindo e com a alma lavada, com a certeza de que o décimo segundo Setembro Negro foi um sucesso. E como tudo que é bom, desejamos sorte para que em 2019 a história continue.