Idealizado há dez anos pelo vocalista Áscaris, o Imperium Infernale é um grande representante do black metal brasileiro. A banda lançou no ano passado o primeiro álbum, intitulado Primitivo, e de cara recebeu muitos elogios da mídia e fãs pela originalidade em suas composições, mais “cruas”, como explica o próprio vocalista, que difere este trabalho de outros registros observados no gênero.

Em entrevista ao Portal do Inferno, Áscaris fala sobre as particularidades do Imperium Infernale; sobre o espaço para as bandas de black metal no Brasil e as dificuldades que encontram para se destacar na cena; e opina sobre temas polêmicos e recorrentes do estilo, como homossexualidade no metal, nazismo, white metal, satanismo, entre outros. Confira:

Portal do Inferno: Primeiramente, como surgiu o nome Imperium Infernale?
Áscaris: Quando criei o projeto, em 2003, queria um nome simples que fosse compreendido em diversas línguas, sem tradução alguma e que deixasse claro que se trataria de uma banda de black metal. Ou seja, deveria ser explícito e por vezes escrachado. Isso também acaba sendo um meio de sempre me lembrar do que se trata a música que fazemos e não desvirtuarmos a coisa. Um estigma, mas intencional e benéfico em se tratando de manter a objetividade.

Portal do Inferno: Então o Imperium Infernale não era uma banda, mas sim, um projeto? Considerando que você também é vocalista do Eternal Malediction, você não tinha a intenção de levar para frente?
Áscaris: Naquela época, a ideia era fazer mesmo um projeto, na verdade tudo ficaria naquele demo CD de duas músicas que lancei em 2006. Quando o Eternal Malediction começou a entrar num período de inatividade, por problemas de formação, eu comecei a me frustrar, pois queria seguir fazendo black metal de alguma forma. Então, em 2008, comecei a criar alguns riffs e músicas pensando em algo fora e consegui a parceria com Morbius para compor. Poderíamos nomear de outra forma, mas achei mais sensato dar continuidade a algo que eu já tinha iniciado anos antes, mesmo que de forma bem tímida, que começar tudo do zero mais uma vez.

Portal do Inferno: Do Eternal Malediction para o Imperium Infernale existe uma grande diferença na sonoridade. Particularmente, acho que o Imperium Infernle é mais cru. Quais são suas influências para fazer compor para o Imperium Infernale?
Áscaris: Sim, no Eternal Malediction a coisa era intencionalmente mais rebuscada e progressiva, pois não queríamos limitar nossa música a um único estilo sonoro, por mais que a base fosse o black metal. Além disso, tudo era a combinação de ideias diferentes do núcleo criativo da banda e não costumávamos limitar essas ideias entre nós. No Imperium Infernale tudo começou com as minhas ideias, que sempre foram as mais cruas, afinal, eu não sou músico, sou apenas um cara que berra. E mesmo tendo um parceiro de criação, ele compreende que devemos manter uma limitação, uma linha sonora, e segue nela. Em termos de influências, posso citar nomes como Rotting Christ (antigo), Celtic Frost, Satyricon, Darkthrone, Impaled Nazarene, entre outros. Mas não pensamos em soar como banda X ou Y quando estamos criando.

Áscaris - Imperium Infernale

Portal do Inferno: Como pude notar, o Imperium Infernale não é uma banda satanista, qual sua visão sobre este assunto dentro do black metal?
Áscaris: Se o satanismo a que se refere é o de alusão ao anticristianismo e ao segmento da filosofia de liberdade, de ser você mesmo, influenciado por Aleister Crowley, sim, posso dizer que somos satanistas, apesar de não achar o termo mais indicado para definir isso. Agora, se você fala da adoração a uma entidade, não, não encaixo a banda nisso. Já tive longas discussões com pessoas que acreditam no Diabo, mas não acreditam em Deus e confesso que não entendo. Eu não acredito em nenhum deles, mas sim em mim, no que está à minha volta, que é real e comprovado. O uso de nomes como “Satã” é de modo metafórico e de afronta ao cristianismo, mas não adoro ninguém além de mim mesmo, pois eu sou meu deus. No fim das contas, Deus e Diabo não existem como entidades, mas podem existir mesmo dentro de cada um, o bem e o mal. A questão é como fazer o uso certo de cada um, pois sim, se usar o mal em seu benefício não lhe gera nenhuma arrependimento ou culpa, não há nada de errado, estará fazendo o bem a si próprio. Prefiro dizer que somos uma banda anticristã.

Portal do Inferno: Então, o Imperium Infernale é uma banda não somente anticristã, mas também ateia, pois não acredita na existência de um ídolo?
Áscaris: Só se for ídolos da música (risos). Eu me ajoelharia para o Ozzy, mas chuto uma cruz com enorme prazer. (risos)

Portal do Inferno: Primitivo foi composto por você e pelo Morbius, ao lado de outros músicos de apoio. Hoje, a banda já possui uma formação fixa ou continua sendo somente vocês dois?
Áscaris: Hoje já há uma formação. A banda que consta nos créditos do encarte foi formada com o álbum já gravado, por isso não há contribuição deles. Eu sei que o núcleo criativo da banda deverá se manter entre Morbius e eu, mas é interessante fazer músicas novas pensando no estilo de execução destes músicos e dar-lhes espaço para os arranjos de suas linhas, caso eles queiram fazê-lo. Mas a ideia é mesmo que daqui pra frente o Imperium Infernale seja uma banda e não um duo ou a banda do Áscaris, por mais que eu siga tomando a frente do negócio todo.

Portal do Inferno: O álbum também recebeu ótimas críticas mídia especializada. Você mesmo lançou no canal da banda um clip para faixa A.N.U.S. Como está sendo o trabalho de divulgação deste play?
Áscaris: Junto com a Lux Press assessoria, estamos trabalhando a divulgação do disco desde agosto de 2012, quando fechei com a distribuidora que iria lançar o álbum, em outubro. Então, de lá pra cá, tudo foi feito com grande contato com a imprensa voltada ao cenário metal no País, com notas sobre o álbum, formação, teaser, anúncio em revista e o clipe. Na verdade, essa campanha de promoção já está se finalizando, pois agora é o período de responder entrevistas, o que já são os últimos passos para divulgar Primitivo. Passado isso, o planejamento já é para o próximo trabalho.

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Portal do Inferno: E sobre os shows? O Imperim Infernale não tem planos para uma turnê?
Áscaris: Queremos muito fazer shows, mas não temos condições no momento de custear um evento para tal, portanto, sigo esperando convites de promotores. Turnê é uma vontade, uma intenção, mas planos para ela ainda não há. Isso é muito complexo para acontecer da noite para o dia e acho que precisamos expandir mais o nome da banda para que gere interesse de público Brasil afora. Ainda estamos engatinhando nesse quesito, mas espero que chegue nossa hora em breve.

Portal do Inferno: Então, o cenário black metal está fraco no Brasil?
Áscaris: Sempre foi o mais fraco em termos de promoções e shows. Não para menos, afinal, é o estilo mais radical de metal, o mais obscuro e, ao lado do doom metal, acredito ser o menos apreciado, falando em números do metal mesmo. Mas isso não nos diminui e não nos impede de seguirmos fazendo aquilo que acreditamos. É preciso ser guerreiro para fazer qualquer vertente do heavy metal no Brasil, mas é preciso ser um pouco mais para fazer black metal.

Portal do Inferno: A organização dos shows das bandas de black metal sempre foi bem underground. Não tem como deixar de citar o que aconteceu com o Besatt, que ficou a ver navios com o descaço do produtor do evento. Seria por causa dessa falta de profissionalismo que o espaço para apresentação das bandas do estilo fica mais restrito?
Áscaris: Não acredito que seja por isso, pois aí o exemplo deveria ser da falta de profissionalismo das bandas. Existe muito preconceito e até medo com relação a músicos de black metal, inclusive por parte de promotores. Fruto da ignorância de um lado que entende mal a coisa (ou nem entende) e de outro lado que se expõe demais por polêmicas negativas e intrigas, ao invés de se unir e se promover. Outra coisa que fode tudo é que, pela falta de oportunidades, acabamos nos sujeitando a condições vexatórias de local e equipamento e parte do público acha que o problema são as bandas que não têm qualidade. Daí também parte do desinteresse destes pelos shows das bandas do estilo. É um ciclo de coisas negativas que deve ser quebrado, mas não é fácil.

Imperium Infernale

Portal do Inferno: Black metal é um estilo muito polêmico, as bandas do gênero muitas vezes não se dão bem umas com as outras. Ainda rola isso ou é algo do passado?
Áscaris: Rola sim, mais do que deveria, se é que deveria em algum momento. Isso afasta as pessoas, conheço ótimos músicos que largaram a cena por conta disso. Outros continuam criando e gravando, mas não divulgam no Brasil por causa da estupidez que toma conta desse cenário no país. Sabemos que se trata de uma minoria de desocupados que só sabem criar intrigas, há inclusive aqueles que têm coragem de pagar para ir a show de uma banda somente para tentar atos de agressão. Porra, não estamos falando de uma guerra de white metal x black metal, mas sim de conflitos internos do próprio estilo, muitas vezes afim de se levantar por meio de polêmicas. Essa é a parte mais triste de se fazer black metal no Brasil.

Portal do Inferno: Interessante você citar a guerra entre white metal x black metal. Em Belo Horizonte, tivemos um episódio isolado onde a banda de white metal Antestor sofreu com um protesto de alguns fãs de black metal. O que você achou dessa atitude?
Áscaris: Fiquei sabendo superficialmente o que rolou e se quer saber, odeio apoiar ignorância, mas em se tratando de white metal, sou 113% contra e acho que uma banda que pratica o tal “un-black metal”, além de ser ridícula e contraditória em seus próprios conceitos, deve mesmo pagar por se propor a tal. Eles quem rezem a todo lugar que vão e torçam para que não sejam linchados. Eu não sujo minhas mãos com tal escória, mas não deixo de rir e comemorar observando à distância.

Portal do Inferno: Recentemente Behemoth saiu em turnê com uma banda de White metal. Você dividiria o palco com uma banda de white?
Áscaris: Se for para ganhar dinheiro em cima de uma bando de cristãos e esfregar na cara deles toda noite que eles acreditam em um mundo de fantasias, acho que sim. Mas não iria conseguir cruzar com a banda white em nenhum momento, ou seja, isso não duraria mais que uma noite. (risos)

Portal do Inferno: No começo da entrevista você citou Aleister Crowley, e sua filosofia de ser você mesmo. Outro fato do black metal muito chocante foi o Gaahl assumir sua homossexualidade. Isso provocou muita repercussão e preconceito dentro da cena. O que você tem a comentar? Você dividiria o palco com o God Seed?
Áscaris: Pelo que eu soube a repercussão nem foi tão grande assim na Europa, já que lá isso é bem normal há alguns anos. Entendo o que quis dizer com relação à filosofia e acho mesmo que o cara deve fazer o que ele bem entende com a sexualidade dele. Isso não me interessa, nem me convém. O que me incomoda são os músicos de black metal que levam isso ao palco, principalmente para chocar os que não convivem com isso de perto ou os mais radicais homofóbicos. Fazer exposição disso em palco ou por fotos sob a alcunha da banda. Sejam gays ou heterossexuais, isso é desnecessário e não acrescenta nada ao conteúdo artístico de uma banda. Tocaria com o God Seed sem problemas. O Gaahl passou a cantar fino por acaso porque se assumiu gay? Piadas à parte, para mim, ele é um dos melhores vocalistas do estilo e não vejo em quê a homossexualidade do cara muda isso. Desde que ele não me peça que apoie a bandeira dele, pois eu simplesmente não defendo e não compro causas que não são minhas.

Imperium Infernale - Primitivo

Portal do Inferno: A cena black metal no Brasil já foi bastante forte com banda como Mystifier, Sarcofago, Ocultan, Prophect Age, Arum, dividindo os palcos com bandas internacionais. A temática é a mesma, abordando o satanismo, o lado obscuro, mas o Krisiun se tornou uma banda grande. Por que você acha que as bandas de black metal não atingem um grande publico?
Áscaris: Bem, o Krisiun é a exceção de uma infeliz regra, na qual bandas que seguem temáticas obscuras tendem a não serem tão reconhecidas no Brasil. E mesmo assim, isso ocorre porque eles não fazem black metal de fato, não passam essa imagem do obscuro além de suas capas e temáticas, sem contar o fato de que só foram reconhecidos pela massa de nossa cena depois que já tinham alcançado status maior lá fora, o que é uma das partes mais ridículas de nosso cenário metal atual. O povo brasileiro, em geral, teme o obscuro pela ignorância mesmo, como qualquer um teme o desconhecido. Além disso, tenho a impressão de que o povo latino tem maior dificuldade em assimilar sonoridades que tendem ao depressivo, que trabalham sob a escuridão, ainda mais em países tropicais, no quais o sol guia nossos dias. Parece idiota, mas caracteriza-se daí um povo feliz, para cima mesmo e alegre, o que dificulta a assimilação de sonoridades que chamam para o lado oposto. Veja em países gelados como isso é diferente e até bandas mais melódicas tendem às sonoridades melancólicas. É algo cultural. Por isso que doom e black metal são os estilos que tendem a ter menos público aqui. Basta ver as votações anuais de revistas e sites voltados ao metal em geral, para notar que bandas de heavy tradicional, power metal, heavy melódico e thrash metal, são sempre as mais votadas pelos brasileiros. Então, há consciência de que trabalhamos para uma minoria, mas esperamos que um dia isso mude e tenhamos maior assimilação e com isso mais espaço.

Portal do Inferno: Tem muita banda de black metal que coloca em suas letras coisas de cunho político, qual sua visão sobre isso?
Áscaris: Refere-se às temáticas nazistas?

Portal do Inferno: Sim.
Áscaris: Bem, se você é um alemão, ou talvez um austríaco que se julga de uma raça superior porque segue a lavagem cerebral feita pelo nazismo, parabéns! Viva bem com isso e perceba que você não é tão diferente de um cristão que vive sob a lavagem cerebral feita pela igreja. Agora, não aceito banda brasileira nazista. Isso é o cúmulo do ridículo! Costumo dizer que se Hitler tivesse chegado à América Latina, talvez nenhum de nós estivesse aqui. Como alguém pode ser tão estúpido a ponto de se julgar superior a outra pessoa por simples raça ou cor? E pior, como pode se sentir parte disso quando se é latino “sangue sujo”, “não-ariano”. Já fiquei sabendo de casos de bandas nazistas que ridicularizam músicos brasileiros que se acham parte deste falido movimento. E repare como tanto a Santa Inquisição quanto o Holocausto foram responsáveis pelos maiores massacres infundados da humanidade. No fim, somos todos lixo, somos a pior das espécies, apenas carne que apodrece.

Portal do Inferno: Valeu, Áscaris. Muito obrigado pela entrevista. O espaço está aberto para deixar seu recados.
Áscaris: Gostei muito da entrevista, é sempre bom abordar além da música para que os que apreciam a banda, saibam qual a mentalidade que a conduz e assim decidirão se querem seguir a apreciando ou não. Agradeço o espaço e faço questão de responder a todos, pois isso é uma recíproca: você divulga a banda, eu divulgo seu veículo e todos saímos ganhando.
E como de praxe, convido a todos para curtir a página oficial da banda no Facebook e assistir ao clipe da faixa A.N.U.S no Youtube.

Escrito por

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