O underground respira, vive e atua de forma brilhante. Iniciativas como da Overload de trazer o lendário Magma para o Brasil provam que é possível viver bem longe da música mainstream que comanda a TV e rádio do país. Investir em algo não-comercial em época de crise é ponto fora da curva, afinal, quem traria uma banda francesa que canta em uma língua própria e não tem medo de botar as 400 pessoas do Carioca Club para dançar de forma desengonçada um som maluco e desconexo num final de domingo de calor? Antes de começar o show, um membro da Overload subiu ao palco para informar que a vocalista Isabelle Feuillebois sofreu um acidente no Chile e, por conta disso, na passagem de som em São Paulo se sentiu mal e ficou fora da apresentação.
O líder e baterista Chris Vander é uma lenda dentro do progressivo. Além de liderar a banda por quase 50 anos, ele ainda inventou o Kobaïan, uma língua própria pois achava que o francês não era expressivo o suficiente para a música que ele queria criar. Felizmente a banda que foi fundada em 1969 na cidade de Paris continua quebrando tudo com sua proposta única e totalmente autoral. Quem curte, curte. Quem não curte, não passa nem perto.
A primeira música do show, Theusz Hamtaahk Zur, em menos de 10 minutos já tinha levantado a galera com suas nuances variadas. Teve momento de quebradeira, opera caótica, soft jazz e por ai vai. Ouvimos várias sonoridades e climas diferentes. A parte vocal é um dos grandes diferenciais do Magma, são pelo menos 5 vozes que as vezes cantam juntas, cada uma pra um lado diferente. Esse jogral de vozes dá um nó na cabeça parecendo que há mais de 15 pessoas cantando ao mesmo tempo.
Em dado momento minimalista da música, Chris se levantou da bateria, ergueu o punho e cantou sozinho por uns minutos, depois cada voz foi entrando, culminando em uma camada de múltiplas vozes anunciando o apocalipse geral. Um dos shows de progressivo mais incrível da história. Ao final dela, tivemos pelo menos 1 minuto de palmas acaloradas do público que assistia hipnotizado a destruição maravilhosa causada pela banda.
A vocalista Stella Vander anunciou que a banda estava feliz por tocar em São Paulo pela primeira vez dentro da “The Endless tour – Part III” e queria tocar várias músicas da carreira, mas o tempo de show versus a extensa discografia do grupo tornava a tarefa impossível de realizar.
A sonoridade do Magma passa diretamente pela mão do mestre Frank Zappa e um dos responsáveis por esta similaridade é o músico Benôit Alziary, o cara do vibrafone. Por diversas vezes, ele faz as mesmas notas da linha de voz, somando como mais uma camada dentro do caos. A formação atual da banda conta com músicos de idade variada entre os 20 e 69 anos.
O público ficou incrédulo com o maior clássico da banda, Mekanïk Destruktïw Kommandöh, que foi executado na integra por mais de 30 e poucos minutos de som. O poder da banda ao vivo é impressionante. Nesta apresentação única podemos conferir grandes clássicos e músicas novas. A música Ëmëhntëhtt-Ré foi lançada em Novembro de 2009 mas contém partes que a banda vem tocando desde 1975. A sonoridade caótica da banda faz você acessar seu lado mais escuro e negro, ao passo que logo na sequência você se sente sublime e minimalista. Na certa, é a trilha sonora do filme mais fim do mundo que você já viu.
Após um breve tchau, a banda retorna ao palco para executar o pedido do público Kobaïa o primeiro som do Magma do primeiro disco lançado no final dos anos 60. Após 4 músicas e 2 horas de show o público pode ir embora extasiado com o trator sonoro que passou na sua frente. Show incrível desta banda maravilhosa. Ponto positivo para a Overload. Golaço!
Ao final do show, os músicos da banda Cartoon, de Belo Horizonte, trocaram uma ideia comigo sobre a relação deles com o Magma e o vocalista Khadhu Capanema deu uma palavra sobre suas impressões do show:
“Meu relacionamento com esse show foi bem interessante, eu me tornei um grande admirador de Magma há pouco tempo. Um grande amigo postou um vídeo há uns 5, 6 anos atrás no Facebook e por acaso eu vi esse vídeo e comecei a ouvir a banda sem parar. Apesar de entrar tarde na minha formação musical, me influenciou muito e nunca imaginei ver eles ao vivo. Este ano fui à uma festa e esse mesmo cara que me mostrou o vídeo estava lá. Contei que iria tocar no festival 3 olhos em São Paulo e ele disse que no dia seguinte teria show do Magma. Naquele hora eu falei: tô dentro!
Minhas impressões do show foram muito boas. O show em si foi espetacular. A sonoridade que o Chris Vander dá a bateria e a energia que ele imprime faz o som ser único, e a banda inteira é muito boa e não podia ser diferente. Para tocar aquele som, não é para qualquer um. Pra mim, foi um momento mágico de ver como a música deles ao vivo reverbera junto ao público. É uma coisa que leva a um certo transe, todo mundo entra num balanço porque a música do Magma é baseada em ritmo e aquilo vai contagiando as pessoas, então mesmo que as músicas sejam longas e difíceis, elas emocionam qualquer um.
Logo depois que terminou o show tive a sensação de poder morrer em paz, porque eu vi o Magma ao vivo… (risos)”
Setlist:
1. Theusz Hamtaahk
2. Mekanïk Destruktïw Kommandöh (M.D.K.)
3. Ëmëhntëhtt-Ré (excerpt from parts II and III)
Bis:
4. Kobaïa
Formação atual do Magma:
Christian Vander – “Zebëhn Straïn de Geustaah” – bateria, vocais
Stella Vander – vocais, percussão
Hervé Aknin – vocais
Tauhd Zaïa – vocais (não veio ao Brasil)
Isabelle Feuillebois – “Enör Zanhka” – vocais (não se apresentou em São Paulo por estar hospitalizada)
Rudy Blas – “Staïïss Ësslënt” – guitarra
Philippe Bussonet – “Gëhnohr Dügohn”- baixo
Jérome Martineau-Ricotti – piano
Benôit Alziary – vibraphone