
- O que significa trabalhar com música alternativa, para você?
Bem, antes de mais nada, lidar com a música já faz parte do ser e estar. Parafraseando o filósofo Friedrich Nietzsche, a música é uma necessidade fundamental para que a vida não seja um erro. Ao longo do tempo, devido às características das composições e sendo uma banda de rock no Nordeste e no interior da Bahia, fomos situados na bolha chamada de alternativa (ou independente, como muita gente diz). Estar e militar nesse enquadramento e ao mesmo tempo carregar essa bandeira não é fácil, inclui muita ralação, exige criatividade e resiliência para enfrentar os altos e baixos, mas também traz muita satisfação porque fazemos arte e música com amor, paixão, sinceridade e autenticidade. Apesar das questões práticas e das barreiras que temos de contornar ou transpor, conseguimos evoluir com muita humildade e aprendizado. E como somos inquietos e não paramos de criar, não há outra opção senão seguir em frente.
- “Dreams and Falls” é o seu último álbum, como ele vem sendo recebido pela imprensa e fãs?
Tínhamos muita expectativa e curiosidade para saber como seria a reação das pessoas. Claro, com os pés no chão, pois sabemos das limitações de uma banda sem recursos financeiros para ações de promocionais muito ambiciosas. Porém, pode-se dizer que estamos positivamente surpresos com os comentários, matérias positivas publicadas (algumas em blogs dos Estados Unidos e Inglaterra), inclusão de músicas em playlists (algumas delas internacionais), veiculação em rádios e webradios do Brasil e exterior, além de algumas entrevistas, creio que a receptividade tem sido muito boa. O álbum foi lançado nas plataformas no final de março/2025. No momento em que respondo essa entrevista, ele completa exatos quatro meses de lançado. Como temos convicção a qualidade da produção e da seriedade do nosso esforço, seguimos na divulgação. Nos shows que temos feito para promovê-lo, presenciamos ao vivo uma ótima reação do público, o que nos encoraja ainda mais a trilhar nossa estrada.
- Quais as principais diferenças que você enxerga em “Dreams and Falls” com relação aos trabalhos que saíram antes dele?
De cara, o álbum se destaca pelo fato de ser inteiramente cantado em inglês, sendo várias canções escritas originalmente nesse idioma. Isso influencia no conceito e em quase tudo que está relacionado à formatação da obra. Em boa parte, enxergamos a produção desse álbum, desde sua concepção até o resultado final, como um ponto avançado que alcançamos em nossa jornada de evolução musical e amadurecimento artístico. Ele está conectado a tudo que produzimos antes, carrega as lições aprendidas nas diversas experiências que tivemos enquanto banda, mas tem sua personalidade própria, o que foi um grande desafio que descobrimos durante as gravações. “Dreams and Falls” aperfeiçoa certas coisas que fizemos no “Saudade da Razão” (álbum de 2022) e apresenta novas experimentações técnicas de estúdio, fruto de muita observação e um intenso intercâmbio de ideias, opiniões e sugestões entre os componentes da banda.
- “Dreams and Falls” possui músicas muito fortes, e todas bem cativantes. Por que você preferiu seguir por este caminho? Você não almeja algum dia trabalhar com novos e outros direcionamentos dentro do Rock?
Desde as primeiras composições, feitas antes mesmo da banda ser oficialmente fundada em 1985, nossa proposta tem sido uma expressão que tenha algum impacto, apresentando músicas que provoquem o pensamento crítico, com letras que tratam de temas variados, mas sempre fugindo do lugar comum. Com essa premissa, circulamos por temas como crítica social, crise existencial, romances, questões ambientais, referências filosóficas, dentre outros, sempre com um cuidado extremo com a qualidade poética e algum lirismo.
Não é exatamente um caminho premeditadamente escolhido para seguir. É muito natural e instintivo, aberto pela inspiração e com atenção aos nossos sentimentos. Para esse álbum, recorremos ao nosso “jardim” de canções e colhemos algumas que estavam escritas há algum tempo, só esperando a hora de gravar. Lá também havia outras que estavam incompletas, mas tinham o estilo e a temática que encaixava no conceito, então concluímos sua composição. E teve “Just for Today” que foi composta de uma vez só, numa espécie de epifania, poucos meses antes de decidirmos gravar um álbum em inglês.
- A arte da capa foi assinada por qual profissional? Qual o significado dela?
Praticamente foi tudo por conta própria, não há um profissional específico que assine a autoria da arte da capa. Desde cedo percebemos que a arte da capa é um elemento essencial para representar a proposta do artista, o conceito da obra, sinalizando bastante sobre o seu conteúdo. Sempre estamos atentos a imagens e fotos que tenham potencial inspirador e algo a ver com nosso estilo, e guardamos sem qualquer pretensão. Ao visitar esses arquivos, encontrei uma linda fotografia do Panteón, um monumento localizado no Cemitério de Montjuïc, Barcelona, de autoria de August Urrutia i Roldán e que destaca a escultura de um anjo abatido creditada a Josep Campeny i Santamaria. Logo percebi que a imagem tem ligação direta com o conceito sonho versus colapso que perpassa toda a sequência de músicas. A banda captou a ideia de imediato. Com base nessa imagem, após alguns testes e ajustes simples nas cores para refinar a estética, a capa foi aprovada por todos da banda.
O significado até que é relativamente direto, ainda que conserve um toque de mistério. Ela retrata um momento de queda e abatimento que tanto pode ser entendido no modo físico quanto no modo emocional. Apesar do momento de reflexão, dor ou sofrimento, o anjo está com as asas íntegras, indicando que ele pode se reerguer e voar novamente. Ou seja, a resiliência também está ali expressada.
Em verdade, desconhecemos a intenção do autor da escultura, ou qual mensagem ele queria transmitir. A vivência foi bem interessante nesse processo. O valor artístico daquela obra se manifestou justamente quando inspirou nossa interpretação para gerar outra peça artística, nesse caso, a arte da capa do álbum. A subjetividade é fascinante e convida e provoca o público para refletir, lembrar de seus próprios sonhos, colapsos e quem sabe até despertam para sua resiliência.
- Eu gostei muito da mixagem e masterização de “Dreams and Falls”, o que você pode nos falar sobre a pós produção do disco?
Acompanhamos de perto as sessões de mixagem e edição, bem atentos aos detalhes, opções, sempre com a mente aberta ao experimentalismo. Em entendimentos com o estúdio, optamos por uma masterização específica nas músicas em inglês, o que primeiramente diferenciou as faixas que são versões de canções anteriores gravadas em português. Com a fórmula delineada, e devidamente alinhada ao conceito do álbum, então passou a ser aplicada também às outras faixas que eram originais em inglês (não versões). No conjunto, utilizamos algumas técnicas e recursos que não tinham sido utilizados antes, sem mencionar que na fase de gravação também algumas estratégias foram escolhidas já pensando no que podia ser feito nas fases seguintes.
O objetivo desse esforço foi traduzir a temática recorrente no álbum, sintetizando os ciclos de alternância entre o peso e a melodia, o sonho e o colapso. Nesse caminho, testamos nossa capacidade de mesclar melancolia e energia dançante, explorando sonoridades vintage e texturas contemporâneas. E uma premissa básica importante foi manter o eixo de ligação com os álbuns anteriores.
- “Dreams and Falls” ganhou uma tiragem limitada em CD? Existem planos para uma produção em maior escala neste sentido?
Sim, graças à parceria com a MS Metal Agency, conseguimos viabilizar uma tiragem limitada em CD e assim manter essa tradição da banda. A fabricação está em andamento e em breve teremos notícias sobre a disponibilidade. Quanto à produção em maior escala, nosso desejo é grande nesse sentido. Entretanto, claro que outros fatores vão influenciar na ampliação da tiragem, pois existem questões comerciais e financeiras, estratégias de promoção e divulgação que podem ser associadas, além da demanda e receptividade de público, crítica, produtores e outros agentes.
- Como tem sido os shows desta fase da sua carreira? O público está conseguindo assimilar o álbum?
Os períodos de lançamento de álbuns costuma não interferir em nosso ritmo de shows. Seguimos fazendo shows conforme as oportunidades aparecem. Mas é claro que nesse período incluímos estratégias para promover nossas novidades. Assim, músicas do álbum são incorporadas no repertório e até fazemos alguns shows especiais para essa promoção.
Devido ao nosso histórico e nossa discografia, o público que nos segue tem consciência do nosso compromisso em elaborar e apresentar músicas e letras com conteúdo de qualidade. E nos doamos muito para conseguir isso. Para quem nos conhece através de “Dreams and Falls”, temos certeza que será uma porta de percepção muito interessante e provocadora. Ao mesmo tempo, é também uma porta que a banda diante de si, pois através dela podemos alcançar um público novo e desconhecido, com reações e leituras inéditas que as músicas que produzimos possam gerar. Apesar de termos músicas em português tocadas em rádios e playlists internacionais, sabemos que músicas cantadas em inglês chegarão a novos ouvidos, corações e mentes.
Nos shows, a aceitação em sido compatível com o que vemos nas mídias sociais e imprensa, seja nas reações espontâneas, seja nos comentários das pessoas que nos procuram para conversar. Como esperado, as faixas que são versões de músicas já conhecidas são mais fáceis de buscar na memória dos ouvintes e isso ajuda bastante na assimilação, porém ressalto que ainda estamos no início da promoção das músicas do álbum, sendo os shows uma das ações nesse sentido, em que as novas músicas são apresentadas. Ainda temos uma longo caminho para divulgar e promover o maior número de músicas possível, mas o que vimos nos shows realizados entre março e julho deste ano foi um público bem caloroso, interativo e carregado de boas vibrações. O público é a energia que nos move.
- “Dreams of Love” pra mim é a melhor do CD. Imagino que foi desafiador escrever essa música que, além de complexa, tem diversos elementos e camadas…
Em primeiro lugar, é muito gratificante saber que os elementos e camadas foram percebidos. Tenho um carinho enorme por essa canção. Sim, foi desafiador escrevê-la e mais ainda desenvolver seus arranjos. Ela foi escrita há mais de 30 anos! numa fase muito difícil, e ficou no jardim esperando para ser colhida, não somente por ter sido originalmente escrita em inglês, mas também porque exigia um refinamento complexo para que o resultado correspondesse ao que eu tinha mente e merecia integrar-se a um álbum conceitual. Finalmente chegou o momento. Vale ressaltar que devemos muito à insistência do baterista Joir Rocha para que “Dreams of Love” entrasse nesse álbum.
Considero essa letra uma das mais poéticas e líricas do álbum. Ela é inspirada no livro “As Brumas de Avalon” de Marion Zimmer Bradley, e também traz referências de alguns versos de um antigo cântico celta. A harmonia e as melodias básicas tinham de ser trabalhadas de forma que a parte musical embalasse os sentimentos e emoções dos versos poéticos, sobretudo na interpretação vocal. E queríamos evitar a todo custo que a canção soasse piegas. Um elemento fundamental para sua estética é a inspiração advinda da música celta, ora clara, ora sutil, que aparece nos arranjos. Nesse sentido, o trabalho de pesquisa envolveu sonoridades de instrumentos percussivos e cadências típicas da música celta e as camadas foram construídas sobre essas bases. Ao final, ficamos muito satisfeitos e felizes com o resultado.
- Obrigado pelo tempo concedido a nós do Portal do Inferno. Mandem notícias da cena da Bahia, por gentileza…
Nós que agradecemos a oportunidade de estar aqui para contar um pouco sobre nosso trabalho aos leitores. Estaremos sempre à disposição. Na Bahia a cena do rock independente é intensa, mesmo lutando contra as várias dificuldades. Aqui, André G (baixo), Joir Rocha (bateria e percussão), Roger Silva (teclados e backing-vocals) e eu, Artur W (guitarra, violões e voz) seguimos na resistência! Força sempre.